Mas como eu trabalho embarcado na África, coisa esta que por si só desperta a atenção, as pessoas passam do inicial desinteresse pela engenharia e perguntam: mas o que você faz lá mesmo? Olhares brilhando de curiosidade, plateia presa no gancho esperando a explicação. Eles querem coisa no nível Indiana Jones, que transforma uma profissão chata toda vida numa panaceia tresloucada.
Pronto. Começo a jogar toda a minha didática, sorrisos e carisma no que sei ser um assunto delicado. Conheço o terreno frágil da atenção humana avessa a abstrações geométricas e grandezas matemáticas. Passados quinze segundos em que menciono coisas como flanges, tubulações e soldas, normalmente o que se segue é: “Ah... legal... interessante... entendi. Então tá então”. Ninguém entendeu e ficou por isso mesmo.
Mas sou brasileiro e não desisto nunca, então tentarei através do blog explicar o inexplicável: o que diabos eu faço na África!
Participo de operações em alto mar que instalam os lindos e maravilhosos dutos que levam petróleo das plataformas para terra firme. Esses dutos (tá, pode falar cano se quiser), ficam lá no fundo do mar junto com os peixinhos, e levam um montão, mas um montão mesmo, de petróleo e gás. Mas vem cá, como o tubo faz pra parar lá embaixo? A gente não o joga na água e vê no que dá; nada disso. Com muito cuidado a gente vai soldando tubo atrás de tubo e vai lançando direitinho na água até chegar lá embaixo. Quer ver como é? Saca só:
Um dia desses, devido ao ócio e ao espírito de porco inerentes à raça humana, você subiu no alto de um prédio com um monte de tubos de PVC. Sua ideia era a seguinte: ir conectando um tubo de PVC no outro até que ele chegasse na rua lá embaixo.
O que você pretendia alcançar com isso? Vá saber, a ideia foi sua, não minha. Tem dois jeitos de fazer isso:
- Segurando o cano na vertical com as mãos esticadas pra fora do parapeito. Assim, você vai acrescentando mais secções ate que ele chega na rua;
- Segurando o cano na horizontal com as duas mãos antes do parapeito. Você faz a mesma coisa, sendo que o cano fica apoiado no parapeito e faz uma baita curva ate ficar na vertical e ir lá pra baixo.
Agora tem uma mágica acontecendo no prédio e assim, do nada, ele começou a andar! Uau, antes de ter a ideia de lançar os canos parece que rolaram uns “coquetéis” brabos na ideia.
Imagina então que o cano tá lá embaixo e o prédio andando. Tem que manter o ritmo hein! Pra cada cano que você acrescenta o prédio anda um pouquinho. A trilha de canos vai aumentando na rua até que você finalmente enche o saco. Podia estar pegando alguém, jogando PS3, lendo uma revista, enfim... são pensamentos que lhe ocorrem. Aí chega a outra sacada: quero largar essa bodega, mas se eu simplesmente soltar a mão, a droga do cano vai quebrar todo... Inferno! Fazer o que? Tem que prender uma corda na ponta e ir soltando até o cano pousar na rua. Mas não esquece que o prédio tem que andar enquanto você solta, senão fica a maior macarronada na calçada e dá merda com a chefia. Pronto, você acabou de fazer o que chamamos de abandono da tubulação. Se você quiser pegar o cano de novo pra continuar brincando no dia seguinte, é só fazer o contrário.
Olha, em linhas gerais, é assim que o navio funciona, só que ao invés de canos de PVC a gente usa tubos de aço bem maiores e mais pesados. Ao invés de segurar os dutos na raça, a gente usa os chamados tensionadores, e pra encaixar um duto no outro a gente solda o bagulho. Lembra das duas opções pra lançar o cano na rua? Na primeira, o lançamento é chamado de J-lay (lançamento em J), por causa do formato do duto quando ele toca no chão. Hein, hein? Se liga que o duto estava na vertical e depois fez uma curva quando bateu no chão. Esse é o J. A segunda opção é chamada S-Lay (lançamento em S) pelo mesmo motivo. Não tá vendo o cano saindo da rampa e chegando lá na rua fazendo duas curvas que lembram um S? Poxa, não é tão difícil assim, deixa a preguiça de lado um instante e abstrai aí.
Bom, acho que era isso. Então tá então.
5 comentários:
Pô, moleza!
aaah...agora entendi tudo!!!hehehehe... Se cuida!!
Muito bom!!!
Eu daria MB nesse texto!
Já posso trabalhar!
Gostei do lançamento em S...mais rebuscado!
Posso ir...
Gosto de Plataformas...
Eu tenho uma pergunta: no fim da história o lado do cano que está na sua mão, no alto do prédio, você vai precisar ligá-lo a alguma coisa, não? Afinal, o canos não vão ficar simplemnte abandonados lá na rua. Como é isso? Vocês vão conectá-lo a uma tubulação qu já está também no fundo do mar?
Com o predio parado e o duto largado na rua, vc volta a ligar mais tubos do alto do predio. Quando esse duto, que ta na vertical, chegar perto do nivel da rua vc para tudo e manda alguem descer com um pedacinho de duto na mao pra fechar a conexao (spool de fechamento). No nosso caso, a gente manda mergulhadores ou veiculos operados remotamente (ROV). Esse duto vertical chama-se “riser”.
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