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domingo, 31 de maio de 2009

Escargots e o Le Procope

Eu finalmente comi escargot. Foi quando a Flavia esteve aqui, há pouco mais de duas semanas, mas eu tinha esquecido de contar. Aliás, só lembrei por uma associação um tanto quanto bizarra: sonhei essa noite que estava comendo a moqueca de camarão do Berbigão (hmmm...) e não sei porque lembrei dos caramujinhos. E pra falar a verdade, prefiro a moqueca de camarão lá de Jurujuba. A gente sai de Niterói, mas Niterói não sai da gente :-)

Pois bem, comi e até achei bom depois que eu abstraí o fato de estar comendo uma criatura rastejante. O gosto da carne parece o de um fruto do mar genérico, e o que dá o gostinho mesmo é aquela manteiga de ervas deliciosa que vem recheando cada concha. Mas de toda forma ainda tinha um tempero a mais quando eu degustei a entrada tão tradicional aqui da França, já que esta degustação se passou no Le Procope.

O restaurante Le Procope é um dos mais antigos de Paris. Ele foi inaugurado em 1686 pelo italiano Francesco Procopio dei Coltelli num ponto que na época já era super in: Saint German, ali onde hoje é a rue de l'Ancienne Comédie, perto do Odéon. Pela sua proximidade com a Comédie Française, acabou virando ponto de encontro de uns sujeitos como La Fontaine, Molière, Racine, Piron, Destouches, d'Alembert, Voltaire, Rousseau e Diderot, só para citar alguns nomes.

Benjamin Franklin redigiu ali a declaração de independência dos Estados Unidos.

Durante a Revolução Francesa, os frequentadores eram Robespierre, Danton, Hébert, Marat e Desmoulins. Era ali que Marat redigia e imprimia seu jornal "L'ami du peuple", fato que hoje está anunciado na vitrine do restaurante. Foi dali que partiu a ordem dos ataques às Tuileries, em 20 de junho e 16 de agosto de 1792.

Conta a lenda ainda que Napoleão Bonaparte muitas vezes deixava seu chapéu no Le Procope como garantia da conta. Tem um lá exposto, fazendo supor que em pelo menos uma das vezes ele deu calote.

Em seu tempo, Balzac, Victor Hugo, Verlaine, George Sand e Anatole France também paravam ali para tomar um café e discutir a vida, a existência, o mundo.

E eu fui lá. Comer escargot e debater idéias nada iluministas ou revolucionárias ou intelectuais com a Flavia. Mas fina, fina toda vida, e feliz de estar num lugar tão cheio de história.

As criaturas

O garçom de bigodes de pontas viradas do Le Procope, mais parisiense impossível. Se você procurar "garçom francês" no Google, deve aparecer a foto dele

Não viu o bigode direitinho? Olha aqui, ó

terça-feira, 26 de maio de 2009

Comida caseira

O meu estômago também sente saudade de casa. Antes que alguém venha dizer que eu estou morando num país com uma gastronomia riquíssima e que é pra eu desencanar do feijão com arroz do Brasil, declaro que adoro a comida francesa, que não canso de descobrir novos restaurantes e novos pratos, que sei que a oferta de produtos frescos em Paris é fantástica, etcetera, etcetera. Só que o sabor da comida da nossa terra sempre desperta algo mais do que a satisfação de comer algo gostoso. É quase um afeto, um carinho, uma volta às origens pelo paladar. Parece bobagem, mas vai morar fora só pra você ver.

Assim como eu, devem ter vários brasileiros por aqui querendo comer de vez em quando uma comidinha, por assim dizer, caseira. Onde existe a demanda, logo alguém cria a oferta; assim, descobri que existem algumas lojas de produits brésiliens espalhadas por Paris. Hoje fui conferir uma delas, a Coisas do Brasil, e taí o resultado:


Só não comprei mais porque não levei meu carrinho de compras e não tinha como carregar muita coisa. Meu jantar de hoje, claro, foi feijão com guaraná Antártica. Tudo bem que o feijão ficou um pouquinho duro porque eu, ansiosa pra comer logo, tirei da panela de pressão antes do tempo. Mas e daí? Tava uma di-li-ça.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Imigrantes


Alguns livros têm a hora certa para serem lidos. Precisam da circunstância ideal, das experiências vividas, da percepção que às vezes ainda não temos quando os lemos no momento errado. "Corações Sujos", do Fernando Morais, já estava na minha estante há algum tempo, mas foi só agora que ele pediu para ser lido.

Parêntese necessário para explicar brevemente o livro. "Corações Sujos" conta a história da Shindô Remmei, ou "Liga do Caminho dos Súditos", uma seita criada em 1945 no Estado de São Paulo que negava a derrota do Japão na Segunda Guerra. Esse ponto de vista, defendido no começo através de fraudes de documentos e difusão de boatos, começou a causar cisões na colônia entre aqueles que acreditavam na vitória japonesa e aqueles que sabiam da verdade. Os métodos da Shindô passaram então da desinformação à violência e eles declaram guerra aos "derrotistas", que eram perseguidos e por vezes exterminados pelos membros da seita. Fecha parêntese.

A minha divagação na verdade não é sobre a história principal, e sim sobre o tema mais amplo que serve de pano de fundo para que ela se desenrole: a imigração. Lembrei de uma conversa que eu tive com a minha falecida avó, na qual ela me contou sobre a crise econômica do Japão no início do século passado e sobre a consequente necessidade de buscar uma vida melhor onde houvesse promessa de uma vida melhor. Para os meus bisavós, ainda existia o agravante de terem perdido tudo em um grande terremoto que aconteceu na região de Tokyo em 1923. Assim, como milhares de outros japoneses, acabaram indo para o Brasil na esperança de fazer um pé de meia e depois voltar para o Japão.

Ao chegarem, os japoneses começaram a perceber que tudo era muito diferente; não gostavam da comida, estranhavam os costumes e não sabiam falar português. O choque cultural provocou o isolamento da colônia; isolamento este que ficou ainda mais gritante na época da guerra devido ao mútuo estranhamento entre brasileiros e japoneses, cada povo defendendo um lado do conflito. Isto somado à carência de informações que chegavam ao conhecimento dos nipônicos residentes no Brasil criou a condição propícia para o surgimento da Shindô Renmei.

Então fiquei pensando se meus avós teriam também acreditado na mentira sobre o desfecho da guerra. Provavelmente eles ainda moravam em Getulina, que fica perto de Bastos e Marília, cidades citadas no livro como focos de atuação da seita. Como nenhum dos dois está vivo hoje, fico sem ter como saber, o que é uma pena.

Viajando mais ainda um pouquinho, comecei a notar os paralelos entre as histórias dos meus avós e bisavós e a minha, guardadas obviamente as devidas proporções. Também sou imigrante como eles, estranhando a língua e os hábitos do país que me acolheu. Também me sinto de certa forma isolada pelas diferenças. Também vim para longe em busca de enriquecimento, embora o meu seja cultural e o deles financeiro. Claro que nem é justo fazer uma comparação direta já que as circunstâncias são bem diferentes, mas isso fez com que eu me sentisse muito mais próxima dessas pessoas que, fora a minha avó, eu nem cheguei a conhecer. O momento de ler "Corações Sujos" não poderia ter sido mais certo para mim.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Coca-Cola Light

Quem me conhece sabe que eu sou uma viciada em Coca light irrecuperável. Chego a tremer quando vejo que a garrafa tá no fim e eu não tenho outra pra substituir, principalmente se for domingo – os supermercados aqui fecham domingo e a única alternativa é o caro mercadinho paquistanês ali do outro quarteirão. Eu não me orgulho do meu vício, estou apenas constatando o fato; sei que coca-light não é uma bebida que a pessoa deva beber meio litro ou mais por dia como eu faço.

Agora imagina a minha tensão quando vi que aqui existem sete variedades de Coca-Light. Se-te! Isso fora a Coca Zero e as Coca-Colas com açúcar, que são quatro (tradicional, sans caféine, cherry e vanille).


Na linha "saudável" (aham!), tem a Coca-Cola light plus avec antioxydant (com antioxidantes) e a Coca-Cola light plus vitamines (com vitaminas).

Na linha "sabores" tem a Coca-Cola light lime (com limão verde, equivalente à Coca light lemon do Brasil), a Coca-Cola light sango (com orange sanguine, uma variedade de laranja que tem coloração mais avermelhada) e a Coca-Cola light lemon (com citron, um limão amarelo que eu desconfio que é o que chamamos no Brasil de limão siciliano).

Tem ainda a Coca-Cola light sans caféine (sem cafeína) e, claro, a Coca-Cola light. Sete.

Claro que eu já provei todas. Mas cheguei à conclusão de que, apesar das experiências terem sido válidas, eu sou tradicional e na minha despensa agora só entra a Coca light. A light normal, que fique claro.


segunda-feira, 18 de maio de 2009

Le creme de leite

Ainda na linha "vamos comparar a comida do Brasil com a da França", outra coisa que tá difícil de achar aqui é creme de leite. Já tentei o crème légère, que mais parece leite aguado. Tentei o crème entière, que tem o gosto certo mas também deixa a desejar na consistência. Tentei ainda o crème fraîche, que tem a consistência perfeita, mas é azedinho que nem iogurte.

Quem lê até acha que eu sou a expert na cozinha buscando o ingrediente perfeito, né? Não, eu gostaria muito de saber cozinhar, mas não sei. Eu estou obcecando no creme de leite porque ele é matéria-prima essencial em um dos poucos pratos que eu sei fazer bem: o estrogonofe (e, vamos combinar, estrogonofe é a coisa mais fácil do mundo de fazer). A Flavia esteve aqui e fez um que ficou uma delícia, mas não ficou cremoso porque usamos o crème entière. Daí eu cismei com o assunto e comprei o crème fraîche no dia seguinte pra conferir, e o segundo estrogonofe ficou cremoso, mas azedo. Ou seja, ficou uma merd... hmm, não ficou bom.

Por fim, fui perguntar ao oráculo e acabei googlando um blog bacana sobre cozinha que esclarece que o que eu quero na verdade é o crème liquide, só que não achei esse produto em nenhum supermercado por enquanto. Mas estou levando fé na dica, então pode ser que o terceiro estrogonofe dê certo.


sexta-feira, 15 de maio de 2009

Twitter-like: cinco descobertas inúteis

Durex opaco é perfeito para remendar notas de euro, pois elas também são opacas.
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Nunca tinha notado que a Champs-Elysées é uma ladeira!

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Aspargos não nascem na lata: eles existem frescos nas quitandas de Paris.

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Nem todo vinho francês é bom. Mas não precisa ser caro pra ser excelente.

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Uma coisa que j'aime é uma coisa que eu gosto mais do que uma coisa que j'aime bien.

domingo, 10 de maio de 2009

A carne

A França tem fama de ter carne cara e ruim, e essa fama é meio que verdade. Não comi nenhuma carne até agora que seja tão boa quanto a que a gente come no Brasil em qualquer churrascaria de beira de estrada. Agora que comecei a conhecer os cortes, já sei mais ou menos quais são os melhores, mas mesmo assim a carne em geral é um pouco mais dura, tem que mastigar muito e não tem tanto gosto.

Mas enfim. Pra facilitar a minha vida depois de algumas experiências frustradas, procurei logo um filé mignon, que imaginei ter obviamente o nome de filet mignon na França. Nada. Só achava filet mignon de porco, nunca de boi. Bem, pensei, o nome não deve ser esse mas o corte tem que existir, pois é claro que a anatomia de um boi francês é igual à de um boi brasileiro. Daí um dia desses comprei a carne mais cara do mercado pra ver se era: custava 40€ o quilo (cada pacote tem dois filés de 100 ou 150 gramas) e tinha o sugestivo nome tournedos estampado na embalagem. Bingo: era o nosso famoso medalhão de filé mignon, com o bacon em volta e tudo. Depois, olhando o rótulo direitinho, descobri que filé mignon aqui é simplesmente filet, e que apesar de não ser tão macio e saboroso quanto o brasileiro, é quase bom. Mas o preço... ai! Não dá pra comer todo dia, não.

Ou seja, na França a carne ou é cara ou é ruim, logo é de se esperar que não seja um produto tão popular como é no Brasil. Na tentativa de fazer o povo consumir mais, o Centre d'Information des Viandes (Centro de Informação das Carnes) lançou esse ano uma campanha de incentivo destacando os benefícios de uma dieta carnívora. Nesse site, o público pode conferir os tipos de corte e como cada um deve ser preparado. Fiz uma pesquisa e descobri a tradução de alguns dos cortes mais comuns mostrados no site.
  • Aiguillette baronne: maminha
  • Basses côtes: acém
  • Bavette d’aloyau: fraldinha
  • Côte de bœuf: costela
  • Dessus de tranche: capa de contrafilé
  • Entrecôte: ponta do contrafilé
  • Faux-filet: contrafilé de lombo
  • Filet: filé mignon
  • Jarret: músculo
  • Onglet: lombinho
  • Paleron: paleta
  • Poitrine: peito
  • Rond de tranche: patinho
  • Rumsteck: alcatra

sexta-feira, 8 de maio de 2009

A quase multa do metrô

Uma dica muito importante para quem vai visitar Paris ou para quem mora aqui e anda frequentemente de metrô: nunca jogue o bilhete fora até sair da sua estação de destino.

Tudo bem que quem mora aqui sabe disso, e confesso que eu até também já sabia. Mas como para entrar em qualquer estação a gente tem que colocar o bilhete na catraca ou validar o cartão Navigo, não acreditava que eles fiscalizassem muito. Só que por causa dos espertinhos que pulam a catraca ou dão algum outro jeito de entrar sem pagar, o pessoal do metrô volta e meia faz umas batidas na saída das estações.

E numa dessas eu quase me dei mal. Indo pra aula de francês, resolvi experimentar um caminho novo no metrô e, ao invés de descer em Madeleine como sempre faço, troquei pra linha 3 e desci em Havre-Caumartin. Paredão de fiscais na saída. Gelei mas fiz cara de paisagem, só que não adiantou.

Bonjour, seu bilhete por favor.
– Não tenho, joguei fora.
– Procura na bolsa.
– Não está comigo, joguei no lixo depois que validei.
– Vai ter que pagar uma multa de quarenta euros.


Pânico. Comecei a falar em inglês.

– Mas como? Eu passei o bilhete na catraca para entrar, como mais eu poderia ter entrado? Não sou daqui, desculpe, eu não sabia que tinha que guardar o bilhete.

Cara feia da mulher. Eu pensando que não era nem pra eu ter descido ali. E, juro, é ridículo, mas contemplei seriamente a ideia de sair correndo.

– Olha, olha! Acabei de comprar dez bilhetes. Conta aí, tem nove. Eu acabei de usar o que falta.

Cara muito feia da mulher contando os bilhetes. A cara adquire então um certo ar de desprezo e ela diz:

– Tudo bem, vamos fazer o seguinte: eu vou rasgar um desses nove que você tem. E você agora fique sabendo que não pode jogar o bilhete fora até sair do metrô.
Merci, merci beaucoup, madame. Eu não vou mais fazer isso.

Um bilhete de metrô foi um preço até barato que eu paguei pela minha burrice. Se fossem quarenta euros, eu estava chorando até agora.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Rugby também é amor

The Kiss, por Cedric Delsaux. Fotografia vendida no site da Yellow Korner.

Um scrum diferente

Detalhe da foto

domingo, 3 de maio de 2009

O coelho rosa do metrô de Paris

O Coelho Rosa do metrô, ou Lapin Rose, é uma instituição parisiense. De acordo com a Wikipedia francesa, ele foi criado no começo da década de 80 para alertar o público jovem sobre o perigo de prender as mãos na porta do metrô. O adesivo diz: "Não coloque tuas mãos na porta: você pode se machucar bem forte".


Claro que, como todo ícone, ele tem diversas releituras e paródias. Essa aí abaixo eu achei no blog Café Paris.




Já esse vídeo aí embaixo é de um gaiato que se fantasiou de coelho rosa e fez a sua própria interpretação do ato de prender as mãos na porta. Bem engraçado!


sexta-feira, 1 de maio de 2009

Gripe suína na França


Deu agora no Le Parisien que a França tem oficialmente os dois primeiros casos provados de gripe suína, e um terceiro está para ser confirmado. Um dos pacientes está internado em Bichat e o outro em La Pitié-Salpêtrière, e o caso suspeito está em Necker – os três são hospitais de Paris. Todos os pacientes estiveram no México e já estavam sob observação, mas somente agora os casos foram oficializados como sendo de gripe A.

Enquanto na maioria dos países o caso é dado como positivo após constatado que o paciente é portador de um vírus do tipo A, na França é necessário fazer testes moleculares sobre o genoma do vírus para uma confirmação final. Ou seja, até nisso eles burocratizam.

Aliás, também se debateu bastante por aqui como eles deveriam chamar a gripe, e esse foi um assunto quase tão grave quanto a gripe em si. Acho que já chegaram à conclusão de que o nome é grippe A, depois de passar por porcine, mexicaine, nouvelle e nord-américaine.