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terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Kantō e meu ponto de origem

O terremoto aconteceu em primeiro de setembro de 1923, dois minutos para meio-dia. Era hora do almoço num país onde a hora do almoço é respeitada, e por esta razão os fogões de lenha estavam todos acesos quando começou o tremor, provocando um grande incêndio que se espalhou rapidamente pela cidade de Tóquio e arredores. Registre-se o fato de que naquela época as casas eram altamente inflamáveis, feitas de madeira com chão de tatame, e como tragédia pouca é bobagem, um tufão na região de Ishikawa causou ventos fortíssimos que ajudaram a espalhar mais ainda o fogo. Na escala Richter, o terremoto Kantō teve magnitude de 7,9 e causou a morte de aproximadamente 143 mil pessoas, números só superados no ano passado pelo terremoto Tōhoku.

Meus bisavós sobreviveram ao Kantō porque se abrigaram junto aos bambus, que supostamente têm raízes fortes o suficiente para resistir a um terremoto. Porque perderam tudo, foram pro Brasil; e por essas e por outras é que eu estou aqui, existindo.

Quem me contou essa história foi a minha saudosa obachan, minha vovó Yoneko Kimura née Mori, que estava na barriga da minha bisavó quando tudo isso aconteceu. Embora nunca tenha estado no Japão – exceto quando era um feto, mas aí acho que não conta – ela era uma japonesa de verdade. De coração, de sangue, de cultura. Falava do Japão com uma admiração e um conhecimento como se lá tivesse morado a vida inteira.

Foi por causa dela que eu coloquei a visita ao desconhecido Kanto Earthquake Memorial Museum como prioridade da minha ida a Tóquio. É um museu razoavelmente simples, de dois andares, onde objetos queimados, gráficos técnicos, desenhos, pinturas, fotos e cartazes de ajuda humanitária se misturam para contar a caótica história do grande drama japonês do começo do século. Fiquei um bom tempo por lá olhando tudo, pensando que, quem sabe, alguns daqueles destroços de objetos pudessem ter pertencido aos meus bisavós, ou que eles pudessem estar naquelas fotos tão desbotadas mas tão expressivas. E fui chorando pelos corredores vazios, sem saber muito bem o porquê de toda aquela memorabilia ter me deixado tão triste, já que pros meus tudo acabou bem. Apesar de tudo, eles sobreviveram e foram popular a colônia japonesa no Brasil.

Aí eu entendi, porque era muito claro.

Eu estava chorando pela minha obachan. Queria que ela tivesse realizado o sonho de conhecer a sua terra de origem antes de falecer num leito do INCA em greve há alguns anos atrás. Mas a vida nem sempre é justa, como ela mesma já sabia desde antes de nascer.