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sexta-feira, 22 de maio de 2009

Imigrantes


Alguns livros têm a hora certa para serem lidos. Precisam da circunstância ideal, das experiências vividas, da percepção que às vezes ainda não temos quando os lemos no momento errado. "Corações Sujos", do Fernando Morais, já estava na minha estante há algum tempo, mas foi só agora que ele pediu para ser lido.

Parêntese necessário para explicar brevemente o livro. "Corações Sujos" conta a história da Shindô Remmei, ou "Liga do Caminho dos Súditos", uma seita criada em 1945 no Estado de São Paulo que negava a derrota do Japão na Segunda Guerra. Esse ponto de vista, defendido no começo através de fraudes de documentos e difusão de boatos, começou a causar cisões na colônia entre aqueles que acreditavam na vitória japonesa e aqueles que sabiam da verdade. Os métodos da Shindô passaram então da desinformação à violência e eles declaram guerra aos "derrotistas", que eram perseguidos e por vezes exterminados pelos membros da seita. Fecha parêntese.

A minha divagação na verdade não é sobre a história principal, e sim sobre o tema mais amplo que serve de pano de fundo para que ela se desenrole: a imigração. Lembrei de uma conversa que eu tive com a minha falecida avó, na qual ela me contou sobre a crise econômica do Japão no início do século passado e sobre a consequente necessidade de buscar uma vida melhor onde houvesse promessa de uma vida melhor. Para os meus bisavós, ainda existia o agravante de terem perdido tudo em um grande terremoto que aconteceu na região de Tokyo em 1923. Assim, como milhares de outros japoneses, acabaram indo para o Brasil na esperança de fazer um pé de meia e depois voltar para o Japão.

Ao chegarem, os japoneses começaram a perceber que tudo era muito diferente; não gostavam da comida, estranhavam os costumes e não sabiam falar português. O choque cultural provocou o isolamento da colônia; isolamento este que ficou ainda mais gritante na época da guerra devido ao mútuo estranhamento entre brasileiros e japoneses, cada povo defendendo um lado do conflito. Isto somado à carência de informações que chegavam ao conhecimento dos nipônicos residentes no Brasil criou a condição propícia para o surgimento da Shindô Renmei.

Então fiquei pensando se meus avós teriam também acreditado na mentira sobre o desfecho da guerra. Provavelmente eles ainda moravam em Getulina, que fica perto de Bastos e Marília, cidades citadas no livro como focos de atuação da seita. Como nenhum dos dois está vivo hoje, fico sem ter como saber, o que é uma pena.

Viajando mais ainda um pouquinho, comecei a notar os paralelos entre as histórias dos meus avós e bisavós e a minha, guardadas obviamente as devidas proporções. Também sou imigrante como eles, estranhando a língua e os hábitos do país que me acolheu. Também me sinto de certa forma isolada pelas diferenças. Também vim para longe em busca de enriquecimento, embora o meu seja cultural e o deles financeiro. Claro que nem é justo fazer uma comparação direta já que as circunstâncias são bem diferentes, mas isso fez com que eu me sentisse muito mais próxima dessas pessoas que, fora a minha avó, eu nem cheguei a conhecer. O momento de ler "Corações Sujos" não poderia ter sido mais certo para mim.

3 comentários:

Carvalhar disse...

Gostei do texto!

E já que você fala de momento propício para ler um livro, sugiro um autor francês: Albert Camus.

O livro L'étranger, entre outras coisas, deixa transparecer o quanto a terra natal pode impregnar e ditar nossos atos e interpretações do mundo.

Maíra K. disse...

Obrigada, Carlos! Fiquei curiosa sobre o livro e já encomendei. Depois te conto o que eu achei (se eu conseguir entender o francês do Camus, claro).

Mulherzices disse...

Você é muito fofa mesmo!!!Amo esses seus textos!!